Retratos
Vaidade, tudo é vaidade — principalmente quando o assunto é retrato presidencial
Tenho para mim que o homem das cavernas vivia uma vida relativamente tranquila até se deparar pela primeira vez com seu reflexo. “Relativamente tranquila” dentro dos parâmetros paleolíticos, claro: uma fuga de dente-de-sabre aqui, um ataque de mastodonte ali, um coice de bisão acolá. Mas quando, num belo dia, agachado para beber água na margem do rio, ele percebeu pela primeira vez sua própria imagem refletida no espelho d’água, começou ali uma infindável série de problemas. A inveja e o orgulho infiltraram-se na sua alma e nunca mais deixaram de habitar o lado sombrio do seu ser.
Desde os tempos mais remotos até os dias atuais perdura essa discrepância entre a imagem idealizada que temos de nós mesmos e aquela refletida no espelho. Poucas coisas conseguem nos incomodar mais que foto mal tirada. Contra essa barbaridade vivemos a testar novos ângulos nas câmeras dos celulares. Foto de cima para baixo para diminuir o papo, de baixo para cima para esconder a careca, de frente para camuflar a barriga, contra o sol para atenuar as rugas, sem óculos para parecer mais novo, tudo isso em busca dessa coisa vaga, vacilante e fugaz: o nosso “melhor ângulo”.

Independente de sexo, idade e condição social, o fato é que ninguém está livre de topar com uma imagem que desafia o alto conceito que temos de nós mesmos. Ninguém, nem mesmo os poderosos. Dia desses, o presidente Trump reclamou de uma pintura o retratando pendurada lá na rotunda do Capitólio Estadual do Colorado. Segundo ele, o retrato não fazia juz à sua excelentíssima pessoa…
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