O Grande Zucchini
Desde pequeno sempre tive muita simpatia pelos mágicos. A toda festa de aniversário infantil mais caprichada que eu ia, secretamente sempre esperava encontrar um mágico. Nas raríssimas vezes em que tinha um, era uma satisfação. Diferente do palhaço, que era figurinha fácil do universo infantil, o mágico era alguém muito mais complexo: deslocado na festa, tanto pela roupa quanto pela aparente indiferença, parecia estar ali por engano. Enquanto o palhaço só queria agradar, o mágico vivia envolto em mistério, distante, com a cabeça em outro lugar. A conexão dele não era com a criançada, era com o mundo místico da magia, uma coisa muito mais importante. Achava curioso que meus amiguinhos não pensassem o mesmo.
Naquela época ainda tinha tirinha do Mandrake no jornal e fiquei muito feliz quando descobri que meu pai também era fã do mágico de cartola. Num domingo, percebendo a avidez com que eu aguardava a conclusão da sua leitura do segundo caderno (hábitos de outra época, quando jornal de domingo era um evento, e quando os filhos só lhe tinham acesso após a leitura dos pais), meu pai desatou a falar do mágico paladino treinado nas montanhas do Himalaia, residente em Xanadu, sua inexpugnável mansão em Nova York, auxiliado pelo Príncipe Lothar, o homem mais forte do mundo. Mais encantado que ver coelho sair de cartola foi presenciar toda aquela informação brotar de supetão da cachola do meu pai.
Enquanto meus amigos queriam ser os super-heróis de sempre, eu queria ser o Mandrake. “Mas que poder ele tem?”, perguntavam. “O poder da hipnose”, eu respondia, deixando a todos confusos (hipnotizados, diria eu à época). Mas logo veio Caverna do Dragão, o desenho animado mais badalado da época, e para minha infelicidade o Presto era um mágico lamentável, completamente desprovido de verve e elegância, mirrando entre as crianças o fascínio pelas artes mágicas. Desde então a indústria do entretenimento não colabora. Esse filme aí do Dr. Estranho, que não passa de uma cópia inferior do Mandrake, é insuportável em todos os multiversos em que foi exibido. Espero que o cinema, este meio catapultado por um mágico (Georges Méliès), um dia faça juz às suas origens e produza um bom filme de mágico.
Depois dos ídolos mágicos da infância, crescemos e descobrimos que os mágicos, na verdade, somos nós. Só com muita mágica para chegar ao fim do mês com a conta no azul. Nunca deixamos de praticar essa mágica neste país, nem mesmo durante seu “milagre econômico”, como a capa do Pasquim não nos deixa esquecer. Só encarnando o Mandrake para esconder a tristeza que bate ao ver o preço da carne no mercado. Só David Copperfield (o atual) para fazer desaparecer o desespero que nos aflige (às vezes do tamanho da Estátua da Liberdade) quando pensamos neste país de extensão continental mas de economia que cresce traço, cheio de mazelas sociais, sem muita perspectiva de futuro.
Sim, realismo mágico não é mero gênero literário por estas bandas, é questão de sobrevivência. O brasileiro é, antes de tudo, um mágico. Já parou para pensar na íntima conexão da nossa História com a magia? Quando, lá pelos idos de 1510, numa praia da Bahia, o jovem náufrago Diogo Álvares Correia decide atirar com seu arcabuz num pássaro em pleno vôo, espantando os nativos e, assim, aplacando o apetite antropófago da turma, não estava na verdade conscientemente executando um número de mágica? Número tão bem executado que ali mesmo lhe rendeu a alcunha de Caramuru, “Deus do Trovão”. E o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva que, em 1682, para saber onde os índios escondiam o ouro, tacou fogo na aguardente vertida numa tigela, ameaçando fazer o mesmo com a água dos rios caso ninguém colaborasse. Seu número de mágica lhe valeu imediatamente o apelido de Anhanguera, “velho diabo” em tupi. De duas, uma: ou os índios acharam o feito realmente diabólico, ou já conheciam o truque (”Esse é velho, diabo!”).
Bem, esse longo intróito foi mesmo para poder falar do grande Zucchini e de seu maior número de mágica. Sim, o grande Zucchini, famosíssimo ilusionista, exímio escapista de renome internacional, que chegou para uma única apresentação na cidade. A multidão correu ao teatro para assistir ao seu espetáculo e o show não decepciona. Toda a plateia ia se maravilhando com as proezas de Zucchini, quando o mágico anuncia o seu último ato e pede que um voluntário suba ao palco:
— Pratico há anos este número final, mas nunca o fiz diante de tanta gente. Vocês estão prestes a testemunhar minha maior mágica.
Seu assistente empurra com dificuldade ao centro do palco uma sólida mesa com uma bigorna no meio e uma marreta ao lado. Zucchini encurva-se e coloca a cabeça sobre a bigorna. Com a cabeça ali estacionada, ele pede ao voluntário que lhe acerte a marreta na cabeça. O voluntário reluta e ameaça abandonar o palco, mas o mágico é muito insistente:
— Vamos, rapaz, ande logo com isso. Não tenha medo. Não estrague o meu gran finale!
O esperado, obviamente, acontece e três dias depois Zucchini ainda está em coma. Equipes de jornalistas revezam-se no hospital para cobrir a história. Numa transmissão ao vivo, contudo, o milagre: enquanto era filmado em seu leito ligado aos aparelhos, Zucchini de repente começa a abrir os olhos. A repórter está em êxtase pelo furo: transmitiria em rede nacional as primeiras palavras do mágico. O grande Zucchini esforça-se para levantar a cabeça, inclina-se para o microfone e sussurra com um sorriso:
— Tá-dáaah!
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Fine and Sweet Memories pure magic!
Adaubam
Meu respeito absoluto a você, só por ter a foto do Ugo Tognazzi no perfil. Abração
Kiko Mazziotti